Comer intuitivo e peso corporal: novos resultados científicos e implicações para a prática clínica

Um recente trabalho publicado na revista Obesity* avaliou a associação entre comer intuitivamente e o índice de massa corpora (IMC) de mais de 50.000 indíviduos franceses, de ambos os sexos e diferentes idades.

Comer de maneira intuitiva foi determinado no estudo a partir de uma escala que avalia 3 componentes deste comportamento: comer por razões físicas ao invés de emocionais (tristeza, ansiedade, tédio, solidão, etc), confiar em seus sinais de fome e saciedade e ter permissão incondicional para comer (por exemplo não seguir dietas ou restringir determinados tipos de alimentos).

Os resultados mostraram uma associação inversa entre comer intuitivamente e o IMC dos indivíduos. Isto quer dizer que as pessoas do estudo que comiam de maneira intuitiva apresentavam menores índices de massa corporal. Este tipo de associação foi verificada para o escore total da escala e também para os 3 subgrupos.

Embora o delineamente transversal do estudo não nos permita dizer que ao ter deixado de comer de maneira intuitiva as pessoas engordaram, ele nos dá um retrato que revela que as pessoas com excesso de peso não estão comendo por razões físicas, não estão confiando nos seus sinais de fome e saciedade e não estão se dando permissão incondicional para comer.

Pensando neste resultado, vale uma reflexão sobre o trabalho dos nutricionistas, que, na maioria das vezes, consiste em prescrever uma dieta que desrespeita os sinais físicos de fome e saciedade, não trabalha as motivações – além da esperada necessidade fisológica – para o consumo alimentar e ainda reitera proibições e regras alimentares abitrárias. Dessa maneira, me pergunto: será que não estamos contribuindo para uma obesidade iatrogênica? Até quando os nutricionistas (e outros profissionais) vão insistir em um método ineficaz e que tem se mostrado tão prejudicial?

E se você está se perguntando como trabalhar sem prescrever uma dieta, a resposta vem do quarto parágrafo deste texto. Falando brevemente, o nutricionista pode ajudar seus pacientes a reconhecerem sinais de fome em que é possível fazer escolhas alimentares equilibradas e comer calmamente percebendo o momento de parar (coisas impossíveis quando a fome é grande demais). Também é possível auxiliar as pessoas perceberem o que as levam a comer sem estar com fome e propor alternativas para alcançarem suas reais motivações (por exemplo, se a pessoa percebe que come quando está cansada, sugerir que ela busque maneiras que realmente irão fazê-la descansar). E por fim,  pode-se construir com o paciente uma relação com a comida em que ele possa comer os alimentos que gosta, garantindo que a motivação para isso seja o prazer (e não razões emocionais nem fome, por exemplo), permitindo-se verdadeiramente e estando totalmente presente para disfrutá-lo e se satisfazer com o necessário.

O estudo citado acima é parte de uma pesquisa maior que continuará por alguns anos e a temporalidade entre exposição e desfecho será capaz de comprovar se a hipótese de que comer intuitivamente contribui para a manutenção de um peso saudável. Até lá, será que vamos continuar dando murro em ponta de faca ou será que não podemos começar a repensar o mal que as dietas podem fazer à alimentação das pessoas?

Texto produzido por mim, publicado no Blog do GENTA (Grupo Especializado em Nutrição Transtornos Alimentares e Obesidade) no dia 25/04/2016)



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